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O indesejado condomínio rural entre herdeiros: um problema cultural

Francisco Haick Mallard Fonseca e Lorenzo Victor Vieira Lima*


Quando um bem imóvel é herdado por mais de uma pessoa, a transmissão se dá na modalidade de condomínio, isto é, a terra permanece indivisa. Cada herdeiro passa a ter uma fração ideal da propriedade, sem poder, contudo, usar e dispor da terra de forma independente.


Neste cenário, além de necessariamente contribuir para as despesas de conservação da coisa comum, cada herdeiro deve tomar as decisões sobre sua administração em conjunto com os demais.


É preciso entender, contudo, que esta disposição da terra não garante a continuidade de um patrimônio produtivo e rentável, em razão, principalmente, da diversidade de interesses que contempla a banca de herdeiros.


A ausência de regras bem definidas e de transparência na gestão, a tomada de decisões unilaterais e a ausência de prestação de contas são os principais fatores que alimentam conflitos entre os coproprietários e, recorrentemente, os levam à enormes prejuízos financeiros. 


Um exemplo ilustrativo desse problema ocorre quando um dos herdeiros passa a gerenciar o imóvel de forma unilateral, celebrando contratos agrícolas ou fazendo benfeitorias sem o consentimento dos demais condôminos. Em muitos casos, os demais coproprietários só tomam conhecimento dessas decisões posteriormente, sendo confrontados com cobranças de despesas que não autorizaram ou recebendo repasses financeiros sem qualquer prestação de contas detalhada.


Fato é que a herança cultural brasileira que entende dispensável o planejamento patrimonial do proprietário ainda em vida, somada ao alto custo e a burocracia do processo de inventário desestimulam a formalização da divisão do bem, resultando em um condomínio forçado que – indesejadamente – se perpetua por gerações.


Sem sombra de dúvidas, a melhor solução para evitar esse ambiente de divergências é a realização de um planejamento sucessório-patrimonial ainda em vida, pelo titular proprietário do imóvel. Nesse caso, uma série de estratégias meticulosamente estudadas permitem a organização da sucessão e a administração do patrimônio de forma estruturada, reduzindo custos e também as chances de litígios futuros. 


No entanto, quando a sucessão já ocorreu e os conflitos estão instaurados, é necessário buscar outras soluções. Diferente do planejamento patrimonial, que tem um caráter preventivo, essas medidas visam mitigar os conflitos já existentes e estabelecer meios que propiciem a lucratividade do imóvel ou que, ao menos, evitem maiores prejuízos.


A primeira alternativa viável é a negociação direta entre os coproprietários para formalização um acordo de administração do imóvel. Neste documento, estabelecem-se regras para definir uma série de direitos e deveres, tais quais a responsabilidade pela administração do bem; os critérios para realização de benfeitorias e manutenção da propriedade; bem como a prestação de contas periódica e divisão das receitas geradas pelo imóvel.


Caso os herdeiros condôminos não consigam chegar a um consenso sobre a administração do bem, uma solução intermediária é a nomeação de um gestor ou administrador profissional, que ficará responsável por gerir o imóvel de forma imparcial, garantindo que todas as decisões sejam tomadas com transparência e equidade. 


Outrossim, na hipótese de um dos condôminos está gerindo o imóvel de forma unilateral, sem prestar contas ou repassar corretamente os valores devidos aos demais, os prejudicados podem ingressar com uma ação de prestação de contas, expediente que tem o objetivo de obrigar o “administrador” a apresentar todos os documentos financeiros relacionados ao imóvel, incluindo receitas, despesas e contratos firmados. Caso sejam identificadas irregularidades, pode-se exigir judicialmente o ressarcimento dos valores indevidamente apropriados, além da destituição do condômino responsável pela má gestão.


Ainda, na hipótese de que a convivência entre os coproprietários se torna inviável e os conflitos persistem, a melhor solução pode ser a extinção do condomínio, que pode ocorrer de duas formas.


A primeira delas consiste na divisão física do imóvel. Se a propriedade permitir, é possível que o imóvel seja dividido entre os condôminos, transformando cada fração em uma unidade independente, permitindo que cada herdeiro disponha de sua parte da forma que considerar mais adequada.


Já a segunda consiste na venda do imóvel. Caso a divisão física não seja possível ou viável, uma alternativa é a venda do imóvel e a partilha do valor arrecadado entre os coproprietários. Essa decisão pode ser tomada de forma consensual ou, se houver resistência de algum condômino, pode ser solicitada judicialmente por meio de uma ação de extinção de condomínio.


Fato é que sem a adequada organização, a sucessão de uma propriedade rural pode rapidamente se tornar um fardo para os herdeiros. A falta de uma governança eficiente pode levar a derrocada de um patrimônio construído ao longo de gerações, fruto do esforço e trabalho árduo.


Se cada situação exige uma abordagem específica, a escolha da melhor alternativa depende do grau de conflito entre os herdeiros e da viabilidade de um acordo. Em qualquer cenário, contar com a orientação de um advogado especializado é fundamental para garantir a proteção do patrimônio e a estabilidade financeira das futuras gerações.


*Francisco Haick Mallard Fonseca e Lorenzo Victor Vieira Lima são advogados atuantes na área do Direito Agrário e do Agronegócio no escritório GMPR Advogados.

 
 
 

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