As despesas do orçamento público com Poder Judiciário no último ano, consideradas todas as ações ainda em trâmite, em todas as justiças e graus de jurisdição, somaram 90,8 bilhões de reais, o que representa 2,6% das despesas públicas totais – tudo só para que se mantenha o Poder Judiciário funcionando.[1]
Contraditoriamente, a Administração Pública brasileira é a maior litigante em processos judiciais do país no resultado consolidado das três justiças (estadual, federal e do trabalho), conforme último relatório emitido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).[2]
Diante desses dados, conclui-se facilmente que a forma mediante a qual o Poder Público se relaciona com os particulares impacta consideravelmente o funcionamento do Poder Judiciário e o próprio orçamento público.
Disso decorre, ademais, a necessidade de que as relações jurídicas estabelecidas pela Administração Púbica sejam prontamente repensadas a fim de aliviar o Poder Judiciário do excesso de demandas, diminuir despesas e atingir maior eficácia na resolução de conflitos.
Justamente nesse cenário, uma nova tendência vem se materializando: a utilização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, dentre os quais se destaca a autocomposição, na qual as partes envolvidas chegam a um consenso (acordo) sem a necessidade de que um terceiro (juiz) interfira a fim de resolver o litígio.
É de se destacar que essa tendência ganhou força principalmente a partir do início da vigência das leis nº 13.105/2015 (“Código de Processo Civil” reformado) e nº 13.140/2015 (“Lei da Mediação”), mas que, antes dessas leis, a autocomposição já era juridicamente viável– somente não era uma possibilidade estimulada, logo, não estava em evidência.
[1]
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf
[2]
http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdfo
A vantagem garantida pela utilização desses métodos é exatamente a reivindicação daqueles que atuam perante o Pode Judiciário no cenário em foco: a revelação de uma solução mediante um caminho mais rápido, econômico e eficaz.
Quando se trata de conflitos que envolvem a Administração Pública, contudo, curiosamente surgem questionamentos a respeito da utilização da autocomposição: se a celebração de um acordo pressupõe concessões das partes envolvidas, poderia o Administrador Público, para celebrar acordos, “abrir mão” do interesse público que deveria proteger?
O questionamento é pertinente, mas a matéria não é tão simplória quanto este faz parecer. Aliás, são muitos os pontos de análise do tema, mas este artigo pretende desvendar apenas os principais.
De início, quando o particular tem razão em sua pretensão, entende-se que o Administrador Público não só pode reconhecê-la como tem o dever de agir dessa forma, já que deve agir conforme a legalidade, a moralidade e a boa fé (artigo 37, caput da Constituição Federal). Nesse caso, o Poder Público não estaria “abrindo mão” do interesse público, pois simplesmente não haveria interesse público a ser protegido.
Pense-se, por exemplo, no caso em que uma categoria de servidores públicos busca o recebimento de uma verba garantida por lei; a Administração Pública, nessa hipótese, pode muito bem reconhecer o direito e negociar os pagamentos com a categoria sem a necessidade de levar o conflito ao o Poder Judiciário ou deixar que os servidores o façam: basta que a negociação seja bem conduzida e documentada para resguardar da melhor forma possível as partes envolvidas.
Em segundo plano, é necessário admitir que o interesse público é realmente indisponível (não se pode abrir mão dele); o patrimônio público, porém, é por vezes disponível. Assim, os conflitos que tratam dos efeitos patrimoniais disponíveis dos atos da administração pública podem, sim, ser resolvidos mediante acordo.
Um bom exemplo prático dessa “disposição do patrimônio público” é o a negociação e celebração de acordos acerca da “recomposição do equilíbrio econômico-financeiro” dos contratos administrativos: de imediato, o ato vai onerar a Administração Pública, mas, a longo prazo, vai resguardar a continuidade do contrato e evitar gastos ainda maiores com uma nova contratação. Nesse caso, a negociação com o Poder Público pode ser facilitada mediante a inserção de uma cláusula que preveja o direito da empresa à recomposição e a possibilidade de se resolver amigavelmente as questões decorrentes do contrato.
Por fim, para alguns atos específicos (quando não há clara contrapartida ao interesse público), ainda permanece a necessidade de autorização legislativa para a prática do ato administrativo ou para a celebração de acordo acerca deste.
Esse é o caso, por exemplo, da alienação de bens públicos imóveis, um ato administrativo que exige autorização legislativa específica para a prática do ato, hipótese em que será relevante que o particular que pretende receber a área deverá estar bem orientado e atento ao cumprimento dos requisitos da lei e à documentação dos atos praticados a fim de evitar questionamentos futuros acerca da regularidade do ato.
Vê-se, assim, que, apesar dos questionamentos, a autocomposição é inquestionavelmente uma nova tendência para a resolução de conflitos que envolvem o Poder Público e não pode, de modo algum, ser uma opção descartada facilmente pelas partes em litígio. Afinal, não há dúvidas de que, em diversos casos, além de ser juridicamente viável, o acordo é a melhor opção para a resolução do conflito.
Cabe agora aos administradores públicos e particulares focalizar a resolução mediante os métodos alternativos, considerando sempre essa possibilidade antes de buscar e Poder Judiciário e, além de tudo, cabe a eles atentar às cautelas necessárias na hora de celebrar um acordo para que se atinja, de fato, uma resolução eficaz.
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