Por: Brenner Gontijo
A nova pandemia, além de colocar em risco a saúde e a vida das pessoas, também ameaçará a vida útil das sociedades empresárias de diversos segmentos, pois as suas atividades estarão diretamente (ou indiretamente) afetadas pela crise que se instala abruptamente em nosso país e no mundo. O setor imobiliário como um todo, sobretudo as Incorporadoras e Construtoras, sofrerão os efeitos negativos dessa recessão.
Nesse contexto, torna-se imperioso, portanto, antecipar-se as eventuais problemáticas para, ao menos, atenuar os danos previsíveis.
O cenário jurídico, diante dessa pandemia declarada, certamente trará à discussão duas figuras conhecidas, mas pouco aplicadas, pela nossa legislação pátria: a força maior e o caso fortuito.
As Incorporadoras e Construtoras, de um lado, se socorrerão a esses institutos; e os adquirentes, doutro lado, também buscarão abrigo nesta mesma previsão legal.
Trata-se do disposto no artigo 393 do Código Civil, que versa sobre o caso fortuito e de força maior. De acordo com o dispositivo legal, “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. Complementa, ainda, que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.
Extrai-se do excerto que a redação crua do dispositivo legal em referência é genérica, dando azo às mais variadas interpretações acerca dos conceitos trazidos. Em resumo, tratam-se o caso fortuito ou de força maior: de fatos/atos imprevisíveis ou de difícil previsão que geram consequências inevitáveis.
O colendo Superior Tribunal de Justiça, assim como a própria lei, não se preocupa em distinguir o caso fortuito de força maior (ao contrário da doutrina), mas sim em analisar as peculiaridades de cada caso, mediante a constatação da imprevisibilidade dos acontecimentos.
A pandemia do novo coronavírus, portanto, poderá caracterizar evento de caso fortuito ou de força maior? Em caso positivo, quais serão as situações afetadas e como elas repercutirão para as partes? Essa certamente será uma das árduas tarefas que os tribunais deverão enfrentar em um futuro próximo.
No setor imobiliário, ao nosso ver, resta perfeitamente aplicável o amparo jurídico garantido pelo instituto do caso fortuito ou de força maior às hipóteses de atraso nas obras e entrega de empreendimentos. Dessa maneira, além do prazo de tolerância legal (180 dias), haverá de existir nova prorrogação em razão da pandemia.
Isso ocorre porque as medidas governamentais adotadas para combater o COVID-19 implicam em consequências que afetam diretamente o cumprimento das obrigações assumidas pelas Incorporadoras e Construtoras. A existência de numerosos Decretos, a exemplo dos provenientes do Estado de Goiás, que restringem as atividades comerciais e outras medidas mais drásticas, facilitarão a comprovação de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis que se enquadrarão como luva à mão aos conceitos de caso fortuito e de força maior.
Assim, eventuais atrasos na conclusão de obras e entregas de empreendimentos terão relação íntima e clara com as restrições governamentais e econômicas impostas ao setor decorrentes da pandemia do COVID-19.
O mesmo raciocínio outrora empregado às Incorporadoras e Construtoras, contudo, não poderão se aproveitar aos adquirentes de unidades imobiliárias para se furtarem ao cumprimento de suas obrigações contratuais. Explico o porquê.
Uma análise superficial deste cenário permitiria concluir que os adquirentes, pautados pela ocorrência de caso fortuito ou de força maior, se liberariam das obrigações contratuais assumidas (mormente àquelas concernentes ao pagamento das parcelas devidas) e poderiam pleitear a rescisão motivada do contrato. A justificativa, portanto, seria a falta de recursos financeiros necessários à manutenção dos pagamentos causado pelo desemprego ou insucesso empresarial.
Ocorre, todavia, que independentemente da pandemia do novo coronavírus, o risco do adquirente perder a sua fonte de renda já existia à época da aquisição do bem imóvel. Esse é, inclusive, o posicionamento da jurisprudência, que entende que o desemprego superveniente à contratação não é fundamento apto a ensejar a rescisão motivada do contrato de aquisição imobiliária.
A escassez de renda, ocasionada pelo COVID-19, por si só, não poderá ser considerado um fato imprevisível que gera consequências inevitáveis. Pelo contrário, o adquirente, ao assumir tamanha obrigação que é a aquisição de um imóvel, deveria ter agido com o mínimo de prudência e ter garantido as economias necessárias para o integral adimplemento das parcelas. Não poderá, agora, utilizar-se desse cenário catastrófico para se ver livre de suas obrigações em claro arrepio à boa-fé objetiva.
Existe, todavia, outro mecanismo à disposição dos adquirentes para enfrentar esta crise, e que não acarretará em enriquecimento ilícito de uma das partes. Amparado pela Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018), o adquirente poderá pleitear a resilição unilateral do contato entabulado (rescisão imotivada), mediante o recebimento das quantias efetivamente pagas, deduzidas as penalidades previstas (multa, impostos, taxa de fruição, etc.).
Fato é que essa pandemia pegou todos os players do mercado imobiliário, incluindo os adquirentes e consumidores, de surpresa. A pandemia, diante dos seus efeitos calamitosos e proporções até o presente momento incalculáveis, exigirá boa-fé por parte de todos; afinal, estamos tratando, também, da vida de sociedades empresárias.
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